Um ano de pandemia: a crise enfrentada pelo turismo no Ceará
- Expresso UFC

- 6 de abr. de 2021
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Diferentes foram os impactos sofridos pelos diversos setores da economia e organização humana; para o tradicional setor turístico cearense a pandemia é sinônimo de quebra de expectativas e alteração total no funcionamento do mercado.
Por Giovana Brito, Levi César, Paulo Carvalho e Sarah Melo

Foto: Marcos Felipe
A pandemia de Covid-19 assola o mundo, a saúde e o turismo desde o registro dos primeiros casos no estado, que completaram no dia 15 de março, um ano oficialmente, quando os primeiros pacientes testaram positivo ao novo coronavírus.
O registro tratava de três pessoas, dois homens e uma mulher, sendo todos residentes de Fortaleza e que haviam viajado recentemente para fora do Brasil. O Governo do Estado e as Prefeituras Municipais passaram a implantar medidas de restrição de circulação de pessoas e do funcionamento de serviços considerados não essenciais, visando reduzir os índices de contágio. Entre eles, estão os setores do comércio e do turismo, que passaram a registrar queda em suas atividades e prejuízos para empresários e funcionários.
Poucos setores sofreram perdas maiores que o do turismo. No Ceará, ele representa a principal fonte de renda de muitas famílias e a perspectiva para o ano de 2020 seria significativamente positiva graças aos bons resultados de 2019. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado teve o melhor índice de volume de atividades turísticas do país no ano citado. O acumulado de 12 meses significou um crescimento de 10%, enquanto o do Brasil cresceu 3,3%.
Para 2020, era esperado um número ainda maior devido aos nove feriados, dentre eles seis prolongados, deixando a expectativa de um ano produtivo. Em entrevista, Régis Medeiros, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Ceará (ABIH-CE), relatou que algumas ações de investimento em infraestrutura na cidade de Fortaleza seriam concluídas neste ano, como a consolidação do HUB internacional com o aeroporto da Fraport, a reforma do calçadão da Beira Mar, e o polo gastronômico da Varjota. “Tudo se prenunciava como um ano bom e a gente acreditava tranquilamente em 10% a 15% de melhora, mas, infelizmente, fomos assolados pelo fenômeno da pandemia”, afirmou Medeiros.
O que era esperado para 2020 não ocorreu, e a nova perspectiva seria de contenção de prejuízos com o fechamento de bares, restaurantes e hotéis. A estimativa da Secretaria do Turismo do Ceará (SETUR), seria de que de dezembro de 2019 a fevereiro de 2020, o estado do Ceará receberia 1,1 milhão de visitantes, gerando uma receita de aproximadamente R$ 3,1 bilhões, o que significaria 10% a mais que no ano de 2018. Esse volume turístico possibilita ao Ceará o patamar de estado que mais recebe turistas em todo o Nordeste, sendo 129,4 mil turistas do exterior, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Entre 2020 e 2021 o cenário para o mesmo período é inferior, apresentando uma queda de 31,6%, recebendo aproximadamente 752.400 visitantes, segundo a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo o promotor de eventos Paulo Roberto Carvalho, é impossível realizar um evento com segurança sanitária diante dessa situação, pois existe uma grande circulação de pessoas nos bastidores. Em entrevista, ele relatou: “O maior problema é o desemprego, porque nossos eventos envolviam diversos setores econômicos da sociedade, como os ambulantes de alimentos, seguranças, franquias de veículos, montadores de palco, pessoas que não têm salário fixo e ganham por dia trabalhado, mas que hoje encontram-se desempregadas”, relatou.
Conforme dados da SETUR, a arrecadação do turismo antes da pandemia, neste período entre dezembro de 2019 e o começo de 2020, era de aproximadamente R$ 3,1 bilhões. Neste último ano, com a pandemia presente, R$ 261 bilhões deixaram de ser arrecadados pelo turismo do país, como afirma a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Com o vírus em circulação, o risco de contaminação em ambientes com um grande volume de pessoas é alto, e isso impossibilita o setor de eventos, por exemplo, de manter suas atividades. Paulo Roberto relembra que quando esses eventos acontecem sempre há movimentações nas contratações de hotéis, tanto pelas atrações, quanto pelos turistas que vêm de fora. “ É impossível fazer eventos sem aglomerações, já chegamos a colocar 26 mil pessoas em um evento”, afirma.
Além disso, muitos países mantêm suas portas fechadas para o Brasil. Esses são alguns fatores que influenciam no número de visitantes. A atividade turística do Ceará registrou queda de 34% no mês de março em comparação ao mesmo período de 2019. Apenas na segunda quinzena do mesmo mês o setor registrou perda de R$1,32 bilhão, de acordo com a CNC. As áreas que mais foram afetadas são as de restaurantes, transporte aéreo, hotéis, agências de viagem, transporte rodoviário, buffets e outros serviços de comida preparada.
Os impactos da pandemia na economia cearense já foram notados no primeiro trimestre de 2020, com a queda do Produto Interno Bruto (PIB) do estado em 4,65% em comparação com os últimos três meses de 2019. No setor de turismo, de março a agosto do mesmo ano, 1,1 mil estabelecimentos que ofertam serviços turísticos deixaram de funcionar no estado, de acordo com dados da CNC.
Intervenção do Governo do Estado
Com um ano de pandemia, as medidas tomadas pelo governo do estado do Ceará tem o intuito de manter a economia girando sem que aumentem o número de casos de contaminação pelo vírus. Vários países fecharam suas fronteiras para o Brasil, diminuindo a entrada de estrangeiros, fazendo o fluxo turístico ser movimentado quase que exclusivamente pelos nativos. “Faço isolamento social desde o primeiro decreto. Consegui ter coragem de ir à praia quando vi no noticiário que os números de contaminação estavam mais baixos, isso foi em novembro e não me lembro de ter visto estrangeiros. Conheço apenas uma pessoa da França que estava passando uma temporada no estado”, observou Beatriz Falcão, estudante de psicologia que mora na capital cearense.
Com o cancelamento do Carnaval, o turismo e o comércio necessitam de medidas do governo para continuar com o funcionamento, respeitando as normas de segurança. Essa data comemorativa é a maior não apenas no estado, mas em todo o território nacional, sendo responsável por uma falta de movimentação de R$8,1 bilhões em todo o país, segundo a Confederação Nacional do Comércio. Com as viagens e as comemorações nas ruas que poderiam aumentar drasticamente o número de vítimas da Covid-19, o cancelamento dos dias festivos foi inevitável.
Mesmo com essa medida o estado sofre alta nas ocupações dos leitos de UTI e aumento no número de mortes. Para lidar com a situação, o governador Camilo Santana (PT) decretou mais um lockdown em Fortaleza. Pelo período de duas semanas, apenas atividades consideradas essenciais poderão funcionar e essa situação compromete diretamente o turismo. “Sabemos que não é uma decisão fácil. Sei o quanto isso afeta a economia do Estado. Nos últimos seis anos, o que eu mais lutei foi para que a economia do Estado crescesse, gerasse emprego. Mas, neste momento, a única forma que temos até vacinar a população, é fazer o isolamento social rígido”, disse o governador em transmissão ao vivo nas redes sociais.
Os bares e restaurantes da cidade, que agora se mantêm fechados com o início do lockdown, não recebem apoio financeiro, tornando esta uma situação ainda mais complexa. “A gente já perdeu aí mais de mil estabelecimentos só nesses dois últimos decretos, e agora pode se agravar muito mais, é imensurável o tamanho do prejuízo”, afirmou Dorivan Rocha, presidente do Sindicato de Bares, Restaurantes, Buffets e Similares do Estado do Ceará (Sindirest - CE).
Entre as solicitações dos empresários para o mantimento dos estabelecimentos está o auxílio a pequenos negócios, quanto ao pagamento de água e energia, além de suporte financeiro pelo período que durar o decreto. Taiene Rigotto, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), se reuniu com representantes do governo do estado para solicitar redução ou isenção de tributos como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Ao todo, 980 empreendimentos fecharam as portas durante os três primeiros dias do decreto, a informação foi divulgada pela Abrasel.
Os hotéis de Fortaleza também suspenderam suas atividades. Os estabelecimentos podem deixar de funcionar por falta de hóspedes e também necessitam de medidas interventivas. Segundo o presidente da ABIH-CE, o Governo do Estado não poderia ter grandes ações, pois o ICMS recai sobre a área de alimentos e bebidas que dependem do fluxo de pessoas, porém a prefeitura poderia agir com os ganhos do IPTU. “Os nossos maiores tributos são o ISS, que também está relacionado à questão da ocupação no faturamento, e, nesse momento específico, o IPTU. Nós pagamos o IPTU do ano passado com os hotéis uma boa parte do ano fechados e abertos com ocupações muito baixas. Tem hotel no Ceará, em Fortaleza, que paga 1 milhão de reais em IPTU. O IPTU seria sim um tributo bem interessante que seria um grande apoio da prefeitura. Ou o deferimento ou o elastecimento do prazo de pagamento desse tributo de 2021”, reforçou Regis Medeiros.
Ainda em entrevista, o presidente da ABIH-CE relatou que algumas ações podem partir do Governo Federal e essas podem garantir a manutenção dos serviços prestados e o emprego dos funcionários dos hotéis da cidade. “Estamos aguardando uma nova medida provisória, que copia um pouco a 936 do ano passado, com a suspensão temporária do contrato de trabalho ou redução temporária de carga horária com subsídio do governo para que a gente possa não demitir mais e fazer frente aos nossos funcionários. E a questão de linhas de crédito também são muito importantes, não é muito papel do governo estadual, é mais dos bancos públicos federais, que a gente consiga ter acesso a isso”, constata Medeiros.
O complexo turístico Beach Park conta com quatro hotéis: Suits, Acqua, Wellness e Oceani, além do parque aquático que conta com saunas, oito restaurantes e as principais atrações, os toboáguas. Os hotéis fecharam por seis meses e durante todo esse período Vitor Araújo foi afastado do seu posto no hotel Oceani. “Fui afastado no começo de março e voltei só em setembro. A princípio foi ruim, pela incerteza se eles iriam manter meu emprego. Nesse momento, eu gostaria que estivesse fechado, porque são muitos os riscos que nós assumimos indo trabalhar. Não só por estar em contato com os hóspedes, mas por pegar ônibus lotados e aglomerações em pontos de ônibus”, afirma Araújo.
Outro fator que se tornou essencial são as normas de distanciamento social, para que os turistas não se contaminem durante a viagem. Vitor Araújo também comenta sobre as políticas restritivas adotadas pelos hotéis. “Passamos por treinamentos para que pudéssemos entender os protocolos novos. Na recepção, antes você poderia chegar normalmente, agora precisamos passar as malas em equipamentos que higienizam os materiais. Não pode ficar sem máscara, além de usar álcool gel o tempo inteiro. A limpeza do quarto também mudou. Passaram a limpar os apartamentos dia sim e dia não, para evitar o fluxo de pessoas com os hóspedes. Quando o hóspede vai tomar café da manhã ou jantar, não poderá entrar se o restaurante estiver com a sua capacidade máxima e terá que esperar. Foi protocolado que os jantares seriam agendados pelo WhatsApp que também serve para mandar mensagens com dúvidas”, relatou.
Os hotéis Ibis também adotaram novas medidas de segurança. A recepcionista Thalya Veras conta sua experiência para manter o atendimento com qualidade. “O distanciamento e as medidas preventivas estão todas sendo seguidas, mas acho que isso não seja um empecilho para um bom atendimento, pois acho que o que realmente atrai um hóspede é ser tratado com excelência. Obviamente não só a qualidade do serviço, mas também a comodidade e infraestrutura são grandes influências. No hotel, todos os setores estão trabalhando para que tudo seja feito com o maior cuidado possível, principalmente nesse momento de pandemia”, contou.
Os eventos também acontecem em baixa no estado. Para apoiar este setor e conter prejuízos, o governo propôs um auxílio de mil reais para trabalhadores do setor. "Auxílio financeiro para os profissionais do setor de eventos, que tipo de profissionais: músicos, humoristas, técnicos de som, técnicos de luz e imagem, enfim, aquelas pessoas que trabalham nos bastidores dos eventos, que montam o palco, que montam a luz, que montam o som”, afirmou o governador Camilo Santana em pronunciamento oficial.
Outras cinco medidas foram anunciadas para garantir um alívio fiscal. Um Projeto de Lei (PL) será encaminhado para a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará para que seja aprovado. A primeira medida é a possibilidade de parcelar dívidas de ICMS em até 60 meses. Também será possível se isentar do pagamento de taxas para equipamentos culturais do Estado. Será feito um edital que incentiva a realização de eventos corporativos online no valor de 4 milhões. Todos os editais e cadastros serão realizados no site da Secretaria de Cultura do Ceará (SECULT).
Pontos turísticos de Fortaleza se mantém fechados

Foto: Secult/ Ce
Atividades de lazer, eventos e viagens foram impossibilitadas com o fechamento de serviços não essenciais. Entre eles estão os espaços públicos de Fortaleza, como a Beira Mar, o Parque do Cocó e o Centro Dragão do Mar. Segundo o decreto estadual, praças, calçadões, Areninhas e praias devem seguir sem fluxo de pessoas, para evitar aglomerações.
O Theatro José de Alencar, um dos pontos turísticos mais visitados em Fortaleza, manteve os seus horários de funcionamento, adaptando as excursões culturais dentro da edificação, com o número reduzido de visitantes até 10 pessoas, sendo obrigatório também o uso de máscara e higienização das mãos antes da entrada. Quanto aos espetáculos, manteve-se o cronograma já previsto, tomando os protocolos de segurança, além da continuidade do empréstimo de livros e de figurinos.
O Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura opta por uma programação online, como a adesão ao cinema virtual, onde o espectador adquire o ingresso na internet e tem acesso ao filme escolhido. Para usufruir dessa ferramenta, é necessário primeiramente realizar um cadastro no site Cinema Virtual e selecionar “Centro Dragão” com a sala escolhida, e durante as 72 horas seguintes, o indivíduo pode assistir a programação escolhida em até três dispositivos diferentes simultaneamente.
Outro ponto turístico tradicional de Fortaleza, a Catedral Metropolitana, também aderiu aos protocolos sanitários recomendados pelo governo do estado e adaptou o ambiente interno para receber fiéis e visitantes. A demarcação dos assentos disponíveis para permanência no templo durante visitações e programações religiosas, além da instalação de totens com álcool gel em diversos locais são algumas das medidas adotadas para prevenir a contaminação dos frequentadores do local. Com a implementação do decreto de isolamento social rígido válido para todo o estado até o dia 21 de março, a Arquidiocese de Fortaleza comunicou, por meio de nota oficial, a suspensão das missas presenciais na Catedral e nas demais paróquias. O comunicado informa ainda que as programações previstas para esse período poderão ocorrer de forma virtual e sem presença de público.
A equipe de reportagem tentou entrar em contato com as assessorias do prefeito de Fortaleza, Sarto Nogueira (PDT), e do governador do Ceará, Camilo Santana (PT), mas até o fechamento da reportagem, as mesmas não quiseram se pronunciar.



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