Solidão materna expõe fadiga e frustração imposta ao feminino
- Expresso UFC
- 9 de abr. de 2021
- 6 min de leitura
O desafio de ser mãe, dona de casa e mulher, durante a pandemia de Covid-19, acentua o sentimento de impotência e revela problemas socioestruturais .
Por: Anderson Alves, Nathanael Pereira, Patrícia de Morais e Taynara Bezerra

Foto: Reprodução/Maternativa
"Amor de mãe é a mais elevada forma de altruísmo". A frase de Machado de Assis, um dos maiores escritores brasileiros, traz consigo um amor de mãe de instintos e inclinação a cuidar daquele que se ama. No Brasil de 2021, e em um contexto pandêmico que se alastra desde os primeiros meses do ano passado, a sociedade enfrenta desafios. Economia, saúde, empregabilidade e política representam questões de evidência, mas que usurpam de tantas mulheres o espaço necessário para falar sobre a solidão que sentem ao cuidar de um filho e que, além disso, acabam não sendo legitimadas por uma romantização vigente. Isto posto, muitas mães sofrem em desalento a dor da frustração, da ansiedade e da falta que uma rede de apoio e políticas públicas eficientes desempenham.
Atrelado a este contexto, a sociedade ainda é bem patriarcal. Mesmo com o grande protagonismo feminino dos últimos anos, na cenicidade familiar cearense ela não seria diferente, sendo alocada a uma servidão infinita. Os pais acabam não tendo o mesmo peso e papel na criação. Hoje, a justiça consegue por meio de lei obrigar o pai a pagar uma pensão, mas não consegue impor que ele participe ativamente da educação dos filhos. Para muitos, pagar a pensão é a única forma de contribuir com a formação do filho. E assim a mulher segue sozinha nos dilemas de ser mãe exemplar, de cuidar da casa, de trabalhar fora e sustentar sua família, mesmo com todos os entraves que já conhecemos.
No Ceará, mais de 1,4 milhões de lares são chefiados por mulheres, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua do IBGE de 2019. A figura materna que sempre foi sinônimo do cuidar, agora encara uma jornada ainda mais exaustiva com a inclusão em seus lares do trabalho remoto. Importante ressaltar que, a crise econômica instaurada afetou principalmente trabalhadoras autônomas ou mulheres que perderam seus empregos desde o início da pandemia. Sem poder continuar com sua rede de apoio (creches, escolas integrais, avós, secretárias do lar, etc.), algumas mães tiveram que deixar seus trabalhos para conciliar a nova rotina.
As medidas de distanciamento social obrigaram a mulher a desempenhar o papel profissional, de educadora dos filhos e de cuidadora do lar, tudo isso em tempo integral, revelando como a maternidade pode ser um período complicado e vulnerável. O acúmulo de tarefas, aliado à dúvida, ao medo da pandemia, além do receio ao desemprego, geram o sentimento de tristeza e fadiga, agravando o sofrimento emocional. A estudante de Letras, Sabrina Santos, de 21 anos, mãe do Pedro Isaque, de 7 anos, sofre de ansiedade e depressão. Para ela, antes da pandemia a rotina na universidade, o contato social e o apoio da mãe aliviavam o peso de ser mãe solo, mas, com a crise da Covid-19, a obrigação de conciliar os estudos com os cuidados do filho e do lar trouxe a sensação de sobrecarga.

Sabrina Santos ao lado de seu filho, Pedro Isaque
“Antes da pandemia eu podia ir pra faculdade, eu tinha espaço na faculdade, pra ler, pra estudar, que era a biblioteca, eu tinha as pessoas pra conversar, então é um momento que podia aliviar o peso de já ser mãe solo. Eu tinha a minha mãe aqui pra me dar apoio, ela ficava com meu filho, pra eu conseguir fazer essas coisas. Após a pandemia eu assumi todos os papéis: de mãe, de professora, de cuidadora, de aluna, e assim, foi, foi não, é um choque muito grande.”, desabafou.
Acompanhado do sentimento de fadiga, o sentimento de incompetência também a afeta. "Eu estava me sentindo muito incompetente, porque eu não estava conseguindo dar conta. E realmente os trabalhos que você tem, você não consegue dar conta, porque você faz várias coisas ao mesmo tempo. Tá aí, agora eu tô nessa entrevista, mas tô olhando o que ele tá fazendo ali. E isso acontece muito quando eu tô fazendo trabalhos, tô escrevendo meu relatório e a cada cinco minutos eu tenho que levantar pra ver o que ele tá fazendo, pra ver se ele não tá colocando fogo na casa.", disse.
Com a situação de desalento e desamparo, ainda mais potencializado pela pandemia, Sabrina cita a ausência da figura paterna em um momento tão importante que é a criação do filho, Pedro Isaque. "O pai dele não é presente, é tudo nas minhas costas, educação, saúde…ele dá ajuda financeira, mas a financeira não compra a presença dele, a educação dele. Ele mesmo falou que eu era responsável pela educação do Pedro, que ele só tinha que trabalhar e me dar alguma coisa. Então é um peso muito grande que eu carrego nas costas, eu ainda tenho que me dedicar a faculdade, não é fácil gente, nessa pandemia realmente não foi.", reconheceu.
Para a designer, Mágela Sousa, de 26 anos, o seu maior desafio durante a pandemia está atrelado à conciliação entre o home office e a maternidade. Mesmo contando com o apoio do marido e da sogra, sua filha Maria Helena, de 2 anos, não abre mão da oportunidade de passar mais tempo com a mãe. Além disso, os sentimentos de medo e as pressões que sofre da filha por sua atenção tornaram o isolamento "muito difícil ".
"Foi uma adaptação complicada porque eu não conseguia me concentrar no trabalho, porque tinha toda a questão do medo, da doença, era tudo muito novo, estava todo mundo desesperado… E aí a minha filha mesmo tendo o meu esposo, e a minha mãe dando uma força, ela me vendo em casa, ela não conseguia aceitar o fato de que eu não podia dar atenção a ela. Então eu tinha que ficar fazendo uma coisa ali e voltar a atenção pra ela.", confessou.

Mágela e a filha Maria Helena em selfie tirada em casa
Em argumento sobre o contexto de exaustão física e psicológica acerca da figura materna, a psicoterapeuta, Tereza Dantas explica que a exaustão da mulher sempre existiu, mas que teve o seu ônus potencializado pela pandemia. Além disso, para Tereza, essa exaustão se perpetua graças a uma sociedade patriarcal que silencia o debate e adia cada vez mais a evidência cabível ao tema.

"Tudo isso vem agravado por uma situação que já existia e a pandemia simplesmente revelou mais. E eu concordo que é um assunto pouco falado e deveria ser mais falado, eu acho que não é falado de uma forma muito proposital. Por que? A gente vive em um modelo de sociedade patriarcal e esse modelo coloca a mãe em uma situação muito interessante. Ao mesmo tempo em que a mãe é aquela figura quase santa, maravilhosa e incrível, ela é também a que tudo suporta. A mãe está nesse lugar inabalável. E aí, quem não consegue? Ou melhor, alguém consegue ficar nesse lugar e suportar tudo? E quando essa mulher não consegue, ela é tida como incapaz.”, explica
Psicoterapeuta Tereza Dantas
As consequências da pandemia sobre as mulheres aparecem em números. Enquanto 16% das mães estão dispostas a mudar para um emprego menos demandante para cuidar dos filhos, só 9% dos homens consideram essa opção. Cerca de 75% das mães com crianças com menos de 10 anos dizem que o maior desafio da pandemia é a falta de escola ou creche, mas só 54% dos país dizem o mesmo. Os dados são do Datafolha/C6 Bank, Gênero e Número, e da Sempreviva Organização Feminista.
A especialista em Políticas Públicas e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero, Idade e Família (Negif) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Celecina Sales, frisa que é necessário algum auxílio financeiro, aliado a políticas integrativas para amenizar os impactos sociais e econômicos para essas mulheres. “Precisamos de uma ajuda, como um auxílio emergencial, a exemplo do benefício cedido pelo Governo Federal em 2020, para pelo menos garantir o mínimo para estas mulheres. Além disso, é necessário que haja políticas públicas que possibilitem à mulher se reinventar, sem aumentar sua já extensa carga de trabalho, após inclusão do home office em sua rotina. Precisamos de políticas que se conectem com a diversidade feminina em seus diferentes cenários”, salienta.

Celecina ressalta ações que podem amenizar os impactos sociais e econômicos para as mulheres
Celecina destaca ainda que no âmbito das políticas públicas é necessário que o Estado pense em instrumentos que possam, de forma integrativa, atender a mulher nos aspectos jurídicos, psicológicos, socioassistencial e médico. A falta de uma conexão entre os projetos, ou programas destinados à mulher, acaba beneficiando poucas mulheres, sem gerar grandes impactos. A ideia, segundo a especialista, é formar uma rede de apoio, usando equipamentos que já existem, como os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e a Casa da Mulher, conectando-se a outros programas, formando uma cadeia colaborativa que poderá ajudar estas mulheres a recomeçar.
Dessa forma, espera-se que a sociedade possa construir um cenário menos hostil para a mulher em suas realidades diversas, entendendo que antes de ser uma chefe de família, mãe, profissional, ela é indivíduo, repleta de, particularidades, dilemas e situações ainda postas de forma secundária e atrelada a um papel que não lhe cabe mais. A consciência e a responsabilidade familiar cabe a todos e não apenas ao feminino.
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