Psicólogos se tornam aliados da comunidade LGBTQIA+ e ajudam a enfrentar preconceitos
- Expresso UFC
- 9 de abr. de 2021
- 7 min de leitura
A psicologia e a crescente representatividade nos espaços de assistência médica promoveram auxílio para a população.
Por Andressa Monte, Bergson de Araujo, Caio Cysne e Isadora Lima

Ana (nome fictício) , 21 anos e lésbica, passou pelo tratamento psicológico por um ano e cinco meses. Durante o processo, Ana conseguiu, além de se entender como lésbica, compartilhar a sua sexualidade com a família. Ela afirma que as consultas frequentes com sua psicóloga a encorajaram para tal:
“Foi muito libertador para mim, porque até então, eu não sabia que era lésbica. Eu sempre achava que era bissexual, mas não entendia ainda o que sentia.”
Apesar do progresso de Ana, encontrar um profissional que acolha as vivências, sobretudo de uma camada social oprimida, não é fácil. “Nas universidades, hoje em dia, dão maiores possibilidades para as pessoas em vulnerabilidade social iniciarem terapia, e dessas muitas vezes as sessões são feitas em grupo. Então, imagina para uma pessoa trans que está passando por algum processo doloroso falar abertamente sobre isso, é difícil." Afirma Anne Joyce, psicóloga e doutoranda que pesquisa sobre a sexualidade em idosos.
Anne comenta que existem espaços públicos que oferecem assistência exclusiva entre o paciente e o psicólogo, porém ainda há uma carência de ações governamentais mais eficazes que contemplem os ensinos sobre gênero e sexualidade. Por outro lado, existem alguns fatores que dificultam o acesso a terapia como o deslocamento até a clínica e os valores das consultas que podem variar entre R$ 100,00 a R$ 400,00 (a depender do profissional).
Felizmente, essa realidade não é universal. Neto Oliveira, psicólogo e professor, iniciou em junho do ano passado um perfil no Instagram dedicado ao público LGBTQIA+. A ideia surgiu depois que foi demitido de uma escola por homofobia. Com a acessibilidade das redes sociais, Neto decidiu compartilhar assuntos específicos da comunidade que geralmente não são debatidos. “Eu acredito que os conteúdos LGBTQIA+ são muito escassos, então existir uma página com esse tipo de conteúdo, transmitido de uma forma compromissada, é um ganho enorme e um sinal disso é o crescimento do perfil”. Na página que possui cerca de 1.300 seguidores, Neto compartilha informações de forma pedagógica que atuam como um alento para as pessoas se identificarem e perceberem que não estão sozinhas.

A página @desconstroipsi divulga temáticas nem sempre visíveis à comunidade LGBTQIA+
(Foto: Reprodução/Instagram)
“É um ganho positivo as pessoas terem um espaço seguro para relatar suas histórias e suas vivências, seja nos comentários ou nas mensagens privadas”, expressa o psicólogo.
Apesar das trocas de comentários feitas entre ele e seus seguidores, Neto defende que se for possível, a pessoa deve participar de consultas presenciais com um profissional, mas que o caráter pedagógico das publicações ajudam no processo de aceitação. “Um dos aspectos positivos é que o perfil reúne muita informação de formas práticas para lidar com aquilo que você passa, que é o que caracteriza meu trabalho. As pessoas têm um espaço de emancipação e reconhecimento onde dizem ‘ah! eu acho que sou isso aqui que você falou’ ou ‘agora eu sei o que eu sou por conta do seu post’, então é um espaço seguro para a comunidade LGBTQIA+”.
Psicóloga Anne Joyce, pesquisa Psicólogo Neto Oliveira, criou um
sobre a saúde mental de pessoas perfil no Instagram onde compartilha
idosas da comunidade LGBTQIA+ dicas e conteúdos para o público LGBTQIA+
(Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal) (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)
Tanto Neto quanto Anne alertam que o usuário deve ficar atento às publicações de perfis que se propõem a falar sobre a saúde mental LGBTQIA+ mesmo que a quantidade desses perfis sejam poucos nas redes sociais. “Contudo, devemos observar se o terapeuta está propondo uma intervenção, uma condução que não seja de afirmação de quem você é”, esclarece Neto.
Outro ponto abordado por ambos os profissionais é o de que não existe “Cura Gay”*, e o profissional pode ser penalizado tanto pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) quanto pelos Conselhos Regionais como prevê o Código de Ética Profissional do Psicólogo, art. 2º, inciso b. “A gente ainda encontra, infelizmente, muitos profissionais de psicologia que reproduzem falas pessoais em relação à sexualidade, à identidade de gênero e ao gênero, muitas vezes atribuídas à religião”, comenta Anne.
*A Terapia da Reorientação Sexual, Terapia de Conversão ou Terapia Reparativa, conhecida no Brasil como Cura Gay, é o conjunto de métodos não científicos que tem como objetivo extinguir a homossexualidade de um indivíduo. Tais técnicas vão contra a resolução N° 1/99, que há 10 anos estabelece normas de atuação para psicólogos em relação à orientação sexual dos pacientes e proíbe procedimentos que caracterizem a homossexualidade como passível de tratamento.
O Projeto Decreto Legislativo (PDC) 234/11, aqui de autoria do Deputado Federal João Campos (PSDB-GO) popularmente conhecido como “Cura Gay” tramitou pela primeira vez na Câmara dos Deputados Federais, em 2011. O projeto levantou um grande debate no país sobre a temática e acabou sendo arquivado em 2013. Contudo, o assunto retornou à Câmara em 2014, com autoria do então Deputado Federal Pastor Eurico (PSB-PE). O PDC foi arquivado no mesmo ano. Em 2016, o Projeto de Lei 4931/2016 apresentado pelo Deputado Ezequiel Teixeira (PTN-RJ) que também foi arquivado em 2019.
Reconhecer-se como parte da comunidade muitas vezes não é um processo simples, em que demoram anos para ocorrer a autoaceitação. Um dos fatores que contribuem para isso são os preconceitos que a sociedade brasileira perpetua, principalmente as violências físicas e psicológicas que são lançadas contra a comunidade. Segundo dados da Associação Americana de Psiquiatria (APA), a população LGBTQIA+ possui mais que o dobro de chances de apresentar algum problema de saúde mental durante a vida, quando comparada à população heterossexual.
Para Roberto (nome fictício), 63 anos, o ambiente homofóbico que vivenciava em casa pelo seu pai e irmãos foi o fator determinante que o levou a procurar a terapia, além de ter sofrido um ataque cardíaco nesse período.
“Procurei a terapia porque eu já estava num processo de busca de melhorias de vida física, mental, psicológica, inclusive espiritual, pós-enfarte. E a terapia necessariamente se encaixava e logo cumpriu com seu papel.”
O envelhecimento dentro da comunidade, em especial, das pessoas trans é um dado extremamente alarmante. De acordo com a União Nacional LGBT, a expectativa de vida de uma pessoa trans é de 35 anos, enquanto o da população em geral é de 75,5 anos, conforme pesquisa publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) no ano de 2016.
Para Anne, o envelhecimento de pessoas trans é algo a ser comemorado. “Quando se fala do acesso a idoso LGBTQIA +, primeiro que ao falar de idosos trans, hoje, você tem que na verdade comemorar. Porque nós sabemos que o Brasil é um dos países que mais matam pessoas trans no mundo.”
Porém, a situação da pandemia é uma agravante para a saúde mental da comunidade. Segundo o Diagnóstico LGBT+ na Pandemia, pesquisa idealizada pelo coletivo #VoteLGBT e a agência de pesquisas Box1824, durante o isolamento social a maior preocupação da comunidade foi a questão da saúde psicológica, que incluía problemas como ansiedade, depressão e crise de pânico, totalizando aproximadamente 43% dos votos registrados no relatório. Além disso, aspectos de solidão e dificuldades com o convívio familiar também ganharam menções significativas entre jovens de 15 a 24 anos de idade. O estudo do #VoteLGBT também revelou que 28% dos entrevistados já receberam diagnóstico prévio de depressão. A marca é quase quatro vezes superior do que a registrada entre a população brasileira, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (2013).

Gráfico resultado da pesquisa Diagnóstico LGBT+ na pandemia. É possível observar que em primeiro lugar, ficou a questão da saúde mental, que inclui problemas como ansiedade, depressão e crise de pânico, com 42,72% das mais de 9.500 respostas que alimentaram o relatório. Em seguida temos as novas regras de convívio, com 16.58%; solidão, com 11.7%; e falta de renda, com 10.62%. Apesar de estarem em rotulações diferentes, todas estão relacionadas direta ou indiretamente a problemas mentais.
“Muitas pessoas LGBTQIA+ têm aproveitado a terapia nesse momento de agora para refletir seu sofrimento de estar dentro de casa como uma violência doméstica, pois convivem com uma família que os agridem física e verbalmente. Estar mais tempo em casa os permitiram entrar em contato com questões familiares tão dolorosas que já eram trazidas bem mesmo antes da pandemia”, comenta a psicóloga.
Roberto teve alta em maio de 2020, no auge da pandemia. “A terapeuta disse que sai melhor que ela”, declara aos risos. Questionado sobre como avalia sua saúde mental atualmente, Roberto responde com otimismo: “Estou ótimo. Mas, só estou ótimo hoje porque quero estar ótimo; faço questão e luto por isso [...] Já sobre a forma como estou passando pela pandemia, muito bem, bem tranquilo”. Mas o arquiteto completa: "o que mais estou sofrendo nessa ‘carentena’ (fora o luto com as mortes, claro) é a falta de um samba e uma balada.”
Já Ana ainda está em processo terapêutico, mas pontua as mudanças que o acompanhamento causou em sua vida: “eu tinha várias coisinhas dentro de mim: preconceitos e tabus sobre relacionamentos. Então, a terapia foi importante para que eu tivesse coragem de me assumir e assumir a minha relação”.
Alguns centros de atendimento psicológico e acolhimento de pessoas LGBTQIA+ podem ser encontrados na lista abaixo:
Centro de Referência LGBT Janaína Dutra
É um serviço municipal de proteção e defesa da população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) em situação de violência e outras violações/omissões de direitos com base na sua orientação sexual e/ou identidade de gênero.
Endereço: Rua Pedro I, 461, Centro
Contatos:
Tel.: (85) 3452-2047 ou Disque 100
Email: crlgbtfortaleza@gmail.com
CASA TRANSFORMAR
Casa de acolhimento LGBTQIAP+ em Fortaleza - CE
WhatsApp: (85) 98126-8410
Instagram: @casatransformar
Pãim Solidário
Projeto de extensão universitário desenvolvido durante a pandemia com o intuito de dar suporte emocional através de acolhimento psicológico e escuta de curta duração aos estudantes de IES públicas e privadas do Ceará, aos professores da rede regular pública de ensino, à comunidade LGBTQIA+/CE e as pessoas que vivem com HIV/CE. A procura pode ser feita pelo perfil do Instagram @paim_ufc. É preciso ser maior de 18 anos.
E-mail: contato.paim.ufc@gmail.com
Instagram: @paim_ufc
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